“Hereditário” não se limita a ser um simples filme de terror. É uma jornada claustrofóbica e perturbadora pelos labirintos da mente humana, explorando temas como luto, culpa, hereditariedade e os efeitos devastadores dos traumas familiares. Através de uma narrativa atmosférica e densa, o diretor Ari Aster nos convida a desvendar os segredos sombrios que assombram a família Graham por gerações, deixando-nos perplexos e reflexivos muito tempo após o final.
A história se inicia com a morte da matriarca da família, Ellen, uma mulher reclusa e misteriosa que deixa para trás um legado de estranheza e desconfiança. Ellen, figura central da família, sempre foi cercada por rumores sobre seu passado obscuro e comportamentos excêntricos. Sua morte, envolta em mistério, marca o início de uma série de eventos perturbadores que abalarão profundamente a vida dos seus descendentes.
Annie (Toni Collette), a filha mais nova de Ellen, herda a casa da família e se muda com seu marido, Steve (Gabriel Byrne), e seus filhos, Charlie (Milly Shapiro) e Peter (Alex Wolff). A mudança para a antiga casa, impregnada de memórias e segredos, desencadeia uma série de acontecimentos bizarros que colocam em xeque a sanidade da família.
Logo de cara, a atmosfera sombria da casa e a presença de objetos peculiares criam um clima de suspense e desconforto. Annie, ainda abalada pela morte da mãe e lutando contra a depressão, se sente cada vez mais desconectada da realidade. As relações familiares se deterioram, e a desconfiança paira no ar como uma névoa densa.
Charlie, a filha mais nova de Annie, se torna o centro das atenções. Seu comportamento cada vez mais peculiar e sombrio, marcado por crises de choro inexplicáveis, terrores noturnos e fascínio por insetos mortos, desperta a preocupação dos pais. Peter, por sua vez, é atormentado por pesadelos vívidos e visões horripilantes que o levam a questionar sua própria sanidade.
A investigação sobre o passado da família Graham os leva a desvendar uma história de bruxaria e sacrifícios humanos. Através de pesquisas em livros antigos e conversas com a excêntrica tia Lorraine (Evelyn Waugh), eles descobrem que a linhagem materna de Annie está amaldiçoada por um demônio chamado Paimon. A cada geração, Paimon busca um hospedeiro humano para se manifestar no mundo, causando sofrimento e tragédias para a família.
A revelação da maldição familiar é devastadora para Annie e seus filhos. A culpa por não ter percebido os sinais e o desespero em salvar sua família a consomem. A cada dia que passa, a presença de Paimon se torna mais forte, influenciando o comportamento de Charlie e atormentando Peter com visões cada vez mais perturbadoras.
Confronto com o Terror e a Desintegração Familiar
A narrativa se intensifica em um ritmo crescente, culminando em um clímax aterrador. Charlie, completamente possuída por Paimon, demonstra comportamentos cada vez mais bizarros e violentos, colocando a segurança da família em risco. Peter, tomado pelo terror e pela desesperança, tenta se livrar da maldição por conta própria, mas seus esforços são em vão.
Annie, em sua busca desesperada por salvar seus filhos, busca ajuda em um médium experiente. O ritual de exorcismo proposto pelo médium, no entanto, se transforma em um pesadelo. A casa se torna palco de um horror indescritível, enquanto a família Graham se desintegra em meio ao caos e à violência.
Paimon, o demônio maligno, busca dominar completamente um dos membros da família. A batalha entre o bem e o mal se intensifica, culminando em uma cena final chocante e visceral que deixa o espectador perplexo e com o fôlego cortado.
Um Legado de Terror e a Luta pela Sobrevivência
“Hereditário” não oferece soluções fáceis ou finais felizes. A família Graham é completamente destruída pela maldição, deixando para trás um legado de terror e sofrimento. Annie, a única sobrevivente, carrega o peso da culpa e o trauma das experiências vividas.
O Terror Psicológico e a Interpretação Aberta
O final ambíguo de “Hereditário” gera discussões e teorias entre os espectadores. Alguns interpretam os acontecimentos como a manifestação literal de uma maldição demoníaca. Outros, por sua vez, enxergam a possessão demoníaca como uma metáfora para a doença mental e a depressão hereditárias na família Graham.
A atmosfera claustrofóbica do filme, com sua paleta de cores frias e escuras, e a atuação impecável do elenco, em especial de Toni Collette, contribuem para a criação de um terror psicológico visceral. O diretor Ari Aster utiliza recursos como a sugestão e a construção de suspense para provocar medo e desconforto no espectador, deixando muito a cargo da imaginação.
“Hereditário” não é um filme para todos os públicos. É uma obra corajosa e perturbadora que desafia os limites do terror convencional. O filme aborda temas complexos e incômodos, como o luto, o luto patológico, a depressão e o suicídio, sem oferecer respostas definitivas.
Além do Terror: Um Filme Sobre Luto e Doença Mental
Além do terror sobrenatural, “Hereditário” pode ser lido como um filme sobre luto e doença mental. A morte da avó Ellen desencadeia uma série de reações emocionais desestabilizadoras na família. Annie luta para lidar com a própria dor e culpa, enquanto Peter tenta se manter forte para apoiar a esposa e os filhos. O comportamento de Charlie pode ser interpretado como uma manifestação de luto infantil, e a possessão demoníaca, como uma metáfora para a depressão hereditária que assombra a família.
O filme não julga os personagens, mas apresenta uma realidade crua e sem filtros. A família Graham, fragilizada pelo luto e com um histórico de problemas mentais, se torna presa fácil para as forças do mal, sejam elas sobrenaturais ou psicológicas.
Um Legado de Perturbação e Reflexão
“Hereditário” é um filme que fica marcado na mente do espectador muito tempo após o final. O terror psicológico, a atmosfera densa e a ambiguidade da narrativa provocam reflexão e discussão. O filme nos convida a encarar nossos próprios medos e traumas familiares, e a questionar os limites entre a realidade e a loucura.
Se você busca um filme de terror convencional com sustos fáceis, “Hereditário” pode não ser a melhor opção. No entanto, se estiver disposto a mergulhar em uma jornada perturbadora e reflexiva, este filme é uma experiência cinematográfica única e marcante.